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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A guerra das idéias & O enigma WikiLeaks


[Gravura de Jean Lagarrigue, 1971]
Chico Villela

vêm recebendo pouca atenção, como se fossem danos colaterais, e outros emergem em leves doses das revelações em cascata.

A expressão militar collateral damages, algo como ‘danos colaterais’, foi cunhada pelos estrategistas do Pentágono para identificar mortes além das essenciais, ou seja, de civis e inocentes além dos ‘inimigos naturais’, os militares ou ‘terroristas’ ou ‘insurgentes’ opostos aos propósitos do império. Aplica-se também para casos de destruição de escolas, hospitais, sistemas de água e energia, etc., como ocorreu em todo o Iraque. Na teoria da guerra imperial, só devem morrer os combatentes (mas, apesar da teoria, os aviões do império atiram bombas de variados calibres sobre áreas civis, e apenas no Iraque, por exemplo, as mortes de civis já somam mais de 1 milhão 400 mil).

Nos episódios mais recentes de liberação de informações classificadas pelo coletivo de ativistas WikiLeaks (Islândia, vídeo Collateral murder, Afeganistão, Iraque, cables, etc.) podem ser anotados alguns ‘danos colaterais’ que vêm recebendo pouca ou nenhuma atenção. A mídia grande acha-se mais voltada, conforme seus interesses, à divulgação seletiva de fatos e dados do que às análises que, fatalmente, levarão ao reconhecimento de sua culpa e impotência. Mas é sempre interessante ressaltar que são cerca de 250 mil cables, e até agora apenas uns poucos foram analisados pela mídia grande. Não se conhece a floresta ainda, apenas algumas árvores.

Uma guerra ecoa na mídia; outra guerra ecoa nas mentes. Numa situação em que não há muitas verdades a serem estabelecidas ou desvendadas, mas apenas se abre espaço para o exercício da reflexão, torna-se interessante apontar aspectos que, com ou sem intenção, vão se tornando clarezas reveladas.

PARTE I A GUERRA DAS IDÉIAS

“Quem nega a liberdade a outros não a merece (Lincoln)”

1. WikiLeaks existe e se fortalece porque a mídia grande atrelou-se ao poder e perdeu sua identidade fundamental, de meio para divulgação dos fatos sociais, políticos, econômicos etc. e vigilância sobre as ações de empresas, Estados e governos. É ilusório o argumento de que, para “ganhar credibilidade”, WikiLeaks teria sido forçado a recorrer às cinco fontes atuais de divulgação massiva dos cables diplomáticos do governo dos EUA, quatro jornais e uma revista. O contrário é verdadeiro: essa mídia grande vê sua credibilidade reforçada pela divulgação dos cables. Nas palavras do analista sociólogo Stephen Duncombe, colhidas em Carta Capital de 8/12, p. 71: “É tudo bem simples: o WikiLeaks não precisa do [The New York] Times; o Times é que precisa do WikiLeaks”.

Na década de 1970, o avatar dos Julian Assange atuais, o analista do Pentágono Daniel Ellsberg, revelou mais de 10 mil documentos (em metros cúbicos de papel: os chamados The Pentagon Papers) sobre a guerra do Vietnã que desmoralizaram as falsas propagandas do governo e desnudaram a realidade suja de uma das mais sujas guerras da História. Os jornais The New York Times e Washington Post bancaram a publicação e defenderam o autor das revelações em editorial.

Eram outros tempos. Ellsberg foi processado e absolvido: não havia crime, como hoje não há crime nas operações do WikiLeaks. Mas nos anos 2000 ambos os jornais, NYT e Post, por mais de um ano fizeram coro às falsas acusações do regime Cheney-Bush da existência de armas de destruição em massa nas mãos de Saddam Hussein e outras mentiras instrumentadas.

E o Washington Post hoje é apenas mais um porta-voz envergonhado da direita republicana que pede prisão, condenação e morte para Assange. Os tempos de NYT e Post viraram areia; agora é hora de WikiLeaks e internet. A liberdade de imprensa está viva na rede e em poucas mídias grandes contadas nas mãos.

2. O teor de boa parte dos despachos diplomáticos é absolutamente carente de profundidade de análise e mal arranha a superfície dos fatos. Há um mote no métier diplomático que reza: aquele que diz a verdade ou critica as políticas dos ilustres do governo acaba no exílio de uma embaixada sem expressão ou sentado a uma mesa de escritório, sem função nem poder. Em resumo: burocratas são mais apreciados que analistas, e devem saber dizer o que os donos do poder querem ouvir.

A maior parte dos despachos revelados até aqui pouco traz de novidade e profundidade. Autoridades dos EUA, como o secretário de Defesa, reconheceram isso, e o fato é preocupante. A vantagem, claro, é que colocam maciçamente, pela primeira vez, aos olhos do público as maquinações de bastidores dos poderes e dos governos.

Outro fator muito freqüente nos cables é a mentira e a análise enviesada. Apresentar a democracia e o governo turcos como “terroristas” é falsificação da qual talvez nem a Folha fosse capaz, mas a sandice foi cravada num cable. Além da mentira, é míope a visão: a Turquia ascende, mais democrática que nunca em toda a sua história, e hoje tem papel decisivo em muitas opções de políticas na região.

O ex-embaixador britânico Craig Murray, autor do livro antológico “Diplomacia Suja”, relata sua experiência, no Uzbequistão, de embaixador mais novo da história do seu país, aos 42 anos. Aspecto central dessa experiência é sua luta, repleta de perigos e ameaças, e o comportamento dos governos de seu país e dos EUA para polir e falsear a imagem de uma ditadura absolutamente corrupta e assassina com as tintas douradas de “aliado democrático preferencial” no Great Game eurasiático.

Uma das constatações de Murray é que o governo de Islam Karimov no Uzbequistão, apoiado por EUA e UK, é herdeiro das piores práticas da ex-União Soviética. A ironia da História sempre mostra a sua face. Murray é hoje ativista de direitos humanos, e seu livro é precioso para todos os que aspiram ao entendimento do funcionamento, real e sem retoques, da máquina diplomática de um governo. E também para leitores que queiram ver exemplos de coragem e dignidade na profissão e na vida. É precursor de Assange, e o defende com força em seu site.

3. Os valores apregoados de liberdade, democracia, direitos humanos e livre expressão são mera perfumaria aos olhos dos governos dos EUA. Adversários e inimigos recebem chumbo grosso no peito ou derretido nas veias, sejam ditaduras ou democracias. Já os amigos são tratados, já dizia vovó, a pão-de-ló. Ditaduras repressivas e sangrentas, como a egípcia de 30 anos, ou medievais, como a saudita, recebem tratamento ameno e benévolo, e nenhuma menção a seus desmandos e atroz selvageria. Israel, por exemplo, é um Estado composto por santos e bondosos democratas que só almejam o bem de palestinos desobedientes e atrevidos.

Mas os grandes inimigos Irã, China, Rússia e menores próximos, como Bolívia, Equador e Venezuela, são mostrados como o poço das negações de todos os valores que ‘balizam’ a mãe América. Por isso, o Irã é alvo de todas as campanhas internacionais de quase todas as mídias grandes do mundo. E os despachos diplomáticos ecoam essa realidade falsificada. Um exemplo simples: os EUA financiam, armam e treinam movimentos terroristas para mantê-los em combate contra o Irã em enfrentamentos, sabotagens, atentados etc. Isso não existe nos cables.

Outro exemplo é o do apedrejamento de condenados à morte, estigmatizado e alvo de campanhas internacionais permanentes. Mas nada se diz do enforcamento, do fuzilamento, da cadeira elétrica e da injeção letal, métodos de extermínio aplicados nos EUA indistintamente a homens e mulheres, tanto quanto na China e dezenas de países em vários continentes.

O rei da arcaica Arábia Saudita pediu a representantes do governo dos EUA o ataque ao Irã, para “cortar a cabeça da serpente”. (Ao menos um analista de respeito declarou que é mentira: a posição da Arábia Saudita seria de neutralidade.) Conforme a mídia grande, o que se teme é a ficção do “Irã nuclear”, negado até mesmo pelo relatório conjunto das 16 (!) agências de Inteligência dos EUA, de 2007, e que será reforçado por outro relatório de igual teor que se acha em iminente publicação: o Irã abandonou seu programa de armas nucleares em 2003.

O que o rei saudita teme, e os ditadores árabes e de países de grande presença muçulmana temem também, é uma revolução islâmica como a do Irã em 1979, que defenestrou o corrupto e violento xá Reza Pahlevi e sua realeza e instaurou a república islâmica do aiatolá Ruhollah Khomeini. A França fez o jogo em 1789; o Irã, em 1979; quase 200 anos os separam. As ditaduras temem é a revolução, não as armas nucleares fictícias iranianas. Por isso armam-se infinitamente, e por isso os EUA mantêm frotas e bases imensas na região: afinal, são fornecedores de petróleo ao império.

A tortura aparece, ou como de autoria dos agentes do governo dos EUA (Abu Ghraib, Guantánamo, Baghram, centros diversos pelo mundo), ou de agentes de governos aliados, como o iraquiano, o egípcio ou o israelense, aos quais os EUA fecham os olhos. Mas mesmo essas revelações ainda estão aquém do real: os EUA são hoje os maiores professores de tortura científica do mundo. Os fatos anulam o discurso embelezado de BHObama, de colocar ponto final na tortura. Impossível: a tortura hoje, para os EUA, e para muitos Estados pelo mundo afora, é uma ferramenta comum de governo e de combate ao “inimigo”.

E há, maciça e em permanente avanço, a caça aos ativistas e dissidentes no território dos EUA. A Lei Patriota do regime Cheney-Bush, de 2001, aboliu o milenar instituto do habeas corpus e permite ao Estado prender qualquer pessoa sem comunicação a ninguém e mantê-lo preso em local não identificado por quantos anos quiser. Em setembro deste ano, o FBI invadiu e fez varredura em residências e escritórios de pacifistas em Cleveland e Chicago e indiciou 14 deles. Agora o Departamento de Justiça prepara ampliação das leis repressivas.

O problema é a definição de “terrorista”: é o governo que a emite, e a partir daí qualquer pessoa ou organização que faça algum gesto por uma entidade ou grupo considerado “terrorista” torna-se inimigo combatente. Uma simples passeata pela paz pode levar um manifestante a mofar 15 anos na prisão; afinal, o país acha-se “em guerra contra a Al Qaeda”. O tema foi analisado nos quatro artigos da série “EUA: Rumo ao Estado fascista” (leia aqui: I, II, III, IV) postados nesta NovaE. Os direitos humanos políticos desaparecem do cenário da pseudodemocracia imperial.

4. Empresas agem como correia de transmissão das políticas governamentais e exercem o papel de censores e zeladores da “ordem” no lugar do Estado. O Guardian britânico, um dos jornais que publica os cables, traz hoje (10/12) uma lista das empresas e políticos que vêm agindo para sufocar WikiLeaks. Há empresas que atenderam a apelos de políticos, e outras sofreram pressões de governos e autoridades. Todas alegam, em coro, que “não podem colaborar com ações ilegais”. Mentira para a torcida: a atividade do WikiLeaks é absolutamente legal. Se alguém cometeu crime segundo as leis dos EUA foram os denunciantes. Há exceções: a empresa suíça Switch abrigou o registro WikiLeaks.ch, após seu fechamento por 6 horas pela Amazon, e não aceita pressões para sua eliminação.

Mastercard e Visa agridem WikiLeaks e retiram seu apoio, sem que nada ilegal esteja em jogo. Mas quem quiser comprar livros e bugigangas da organização racista de extrema-direita Ku Klux Klan, à margem da lei, e contribuir para as atividades da sua nova denominação, que fique à vontade: as duas empresas de cartões acham-se a seu serviço. E nada é oculto: a KKK proclama sua nova denominação. Nada mais cristalino: WikiLeaks, legal, “de esquerda”, não; Ku Klux Klan, ilegal, de extrema-direita, sim. A guerra das idéias nunca foi tão escancarada e evidente.

A atuação de WikilLeaks é legal a tal ponto que o ministro da Justiça de BHObama Eric Holder colocou um exército de funcionários em ação para encontrar brechas na legislação que permitissem prender Assange e silenciar WikiLeaks. Detalhe: até agora, acharam uma lei anti-espionagem, bichada e esquecida, de 1917. Mais um pouco e chegam ao Gênesis.

5. O tom geral do discurso dos governos em nada difere do tom da extrema-direita. Uma declaração do senador euamericano Joe Lieberman pode ser colocada na boca do secretário de Defesa Robert Gates (que vem do regime Cheney-Bush) ou da neofascista secretária Hillary Clinton: todos falam a mesma novilíngua da repressão. A balela de “colocar as tropas e funcionários em perigo” com a divulgação dos registros de guerra e cables é acompanhada por pedidos de fechamento de WikiLeaks e sites semelhantes e de prisão e mesmo de morte de Assange por “traição” e “espionagem”. A inclinação é apertar a censura na internet e estabelecer controles de suas manifestações. A censura e a repressão aos dissidentes aparecem aos olhos do governo dos EUA como atividade normal e “patriótica” das empresas e autoridades.

Não só lá, mas em muitos países: o ministro francês da Indústria Eric Besson, por exemplo, ameaçou as empresas de internet do país com “conseqüências” caso insistissem em colaborar para manter WikiLeaks no ar.

6. A peneira é maior do que BHObama desejaria, e seus furos tendem a aumentar. Opera junto às forças armadas e à polícia política dos EUA (talvez seja melhor dizer as polícias políticas), bem como a muitos órgãos de governo, um imenso sistema de informação ao qual centenas de milhares de pessoas têm acesso em graus variados. A ampla e generalizada terceirização do Pentágono coloca ao alcance de centenas de milhares de civis acessos a documentos e relatórios sensíveis sobre atividades governamentais e de Inteligência.

Com o acirramento da barbárie nas várias guerras e golpes patrocinados pelos EUA ao redor do mundo (Iraque, Afeganistão, Iêmen, Sudão, Paquistão, Filipinas, Honduras, etc.), cada vez mais pessoas opõem-se às práticas e políticas imperiais e passam ao seu combate. WikiLeaks e outras iniciativas similares constituem, assim, desaguadouro natural para as revelações.

7. A guerra imperial é hoje atividade terceirizada até em combates. Os registros liberados, principalmente de Afeganistão e Iraque, mostram que todas as atividades do dia a dia das forças em guerra são terceirizadas ao máximo, e que essa terceirização chega até mesmo aos combates. A presença de dezenas de milhares de mercenários transforma a guerra em empreendimento no qual, quanto mais se avança, mais se lucra. O mote geral hoje é de a guerra não propiciar futuros negócios; a guerra é em si o grande negócio. No Paquistão, por exemplo, muitas das ações encobertas (covert operations) são realizadas por mercenários contratados, que livram, assim, o Pentágono de acusações de difícil defesa.

8. As operações encobertas aparecem à luz da informação. Nunca reconhecidas oficialmente, as operações encobertas (covert operations; veja aqui um dos muitos exemplos) abrem-se para a luz do dia e saem das tocas do anonimato para as páginas centrais da mídia grande e o conhecimento de governos. Os mais de 50 mil civis e militares dedicados às covert operations que agem em todo o mundo passam a integrar a realidade dos relatos da guerra, que ganha, assim, novo sentido. E governos, mesmo alguns aliados, passam a poder precaver-se contra golpes sujos e manobras pouco amistosas das tropas secretas dos EUA, que constituem parte normal de sua estratégia de hegemonia global. O Paquistão, por exemplo, já deve ter acumulado vastíssima experiência desse cenário.

PARTE II O ENIGMA WIKILEAKS

“A mensagem é simples: Liberdade de expressão”(Anônimos)

9. A guerra da liberdade de expressão na internet tem ao menos dois exércitos, e o exército dos cidadãos vem mostrando seu poderio. As empresas que retiraram apoio à veiculação dos cables e à coleta de doações voluntárias a WikiLeaks de todo o mundo foram duramente atacadas por hackers, e algumas chegaram a sair do ar por horas. Tudo indica que um pensamento libertário preside essas ações: se empresas podem nos retirar do ar, nós também podemos retirar essas empresas do ar.

A recente Operação Payback IRC, coordenada por um coletivo anarquista mundial autodenominado Anônimos (leia o manifesto, em espanhol), realizou ataques contra empresas entre as quais Visa, MasterCard, Amazon e PayPal, em razão de seu bloqueio à coleta de doações para WikiLeaks.

Um servidor suíço que retirou WikiLeaks do ar e um banco do país que congelou o fundo de defesa de Assange tiveram todos os sites que abrigam fechados temporariamente. A técnica do Anônimos nesses casos, resumida na sigla DDoS (da qual o próprio WikiLeaks foi vítima), consiste em inundar o site ou portal atacado com solicitações, a ponto de sufocá-lo e obrigá-lo a fechar.

Grupos se formam em todo o mundo e saem em manifestações pela liberdade de Assange e pela rede livre. Movimentos amplos se solidificam rapidamente, favorecidos exatamente pela comunicação instantânea na rede. No comentário do analista Mike Ludwig, que acompanhou os ataques do Anônimos, “conversas revelavam a natureza caótica e descentralizada do Anônimos. [...] intervenções vieram de Alemanha, Coréia, Holanda e Estados Unidos”.

Qualquer semelhança com as guerrilhas contemporâneas sem hierarquias rígidas e a atuação de organizações descentralizadas e autônomas como o MST brasileiro não é mera coincidência. Ludwig complementa: “Outros simplesmente deixaram claro que não há lugar para líderes na ciberanarquia”. Várias entidades associadas do Partido Pirata em alguns países têm-se declarado incomodadas pela virulência dos meios do Anônimos. Parece que a perspectiva de tornar-se partido eleito e parte do jogo político torna seus membros um tanto conservadores.

10. Muitas vozes, em análises e comentários sobre WikiLeaks e Assange, favoráveis e discordantes, levantam-se com veemência. Um fato da mídia internet que ganha atenção de todo o planeta, desencadeia reações violentas de muitos governos e autoridades, afeta o jogo das relações entre alguns países, atinge fundo líderes de expressão, favorece a reorganização de forças políticas e promete ficar no ar por anos sem fim naturalmente causa comoção e suscita defesas e oposições apaixonadas. Alinham-se a seguir alguns desses comentários e análises.

Joshua Holland, escritor, editor de Alternet e ativista, com base em ensaios de Assange, pergunta-se se não era exatamente isso o que Julian Assange queria. “Assange é um anarquista cujo objetivo é provocar uma hiper-reação da parte do Estado que irá expor sua natureza autoritária, torná-la um espasmo de paranóia interior e, ao final, paralisar seu funcionamento”.

Holland chama atenção para o fato de a maior parte dos debates sobre WikiLeaks ser inconseqüente. A essência do que WiliLeaks faz em nada difere de qualquer outra mídia que coloca seus jornalistas atrás de furos e notícias. “Todo dia jornalistas tentam induzir pessoas informadas a liberar informação confidencial e então e em cada dia eles publicam aquela informação. Isso é o coração da reportagem”. Para Holland, a única pergunta cabível é: Wikileaks viola a lei? A resposta unânime de especialistas é não.

Segundo a agência Reuters, a lei só cobre casos de exposição de nomes de agentes da Inteligência e informação classificada relativa a armas nucleares e espionagem eletrônica. [O regime Cheney-Bush praticou espionagem eletrônica de e-mails e telefones de milhões de cidadãos durante anos, e o governo BHObama manteve a prática. São ambos passíveis de dura condenação pelas leis vigentes.]

O blog Antimperialista (textos e vídeos) apresenta uma rodada de debates da TV venezuelana TeleSur com críticos das revelações de WikiLeaks. O professor acadêmico, escritor e analista de política internacional James Petras afirma que até agora WikiLeaks simplesmente apresenta cables que escondem mais do que revelam sobre as práticas dos EUA, a exemplo das práticas de grupos assassinos israelenses em colaboração com a CIA. Lamenta que os cables nada revelem sobre o apoio dos EUA a grupos terroristas que operam no Irã. E que os ataques a líderes como Berlusconi e Merkel são “pessoais, e não políticos”. Não sabe se são “invenções” ou “provocações”; são “superficiais” e ausentes “dos verdadeiros problemas dos EUA com esses países”.

O respeitado analista e criador de site político Wayne Madsen afirma que “as acusações dos documentos são legítimas”, mas que pode haver “questões manipuladas”, e que é preciso investigar se os documentos “foram selecionados para beneficiar alguns países e prejudicar outros”, em particular Israel, que vem sendo “muito beneficiado”.

Madsen anota em seu site: “Último release selecionado de WikiLeaks aponta para o Nepal como rota de trânsito para terroristas em direção à Índia. Os releases de WikiLeaks parecem cada vez mais uma operação Mossad [serviço de inteligência de Israel] – RAW indiano. Israel e, não em menor grau, Índia são beneficiados pelas revelações”. Apela por pesquisa para se saber “de onde vem o financiamento para WikiLeaks” e “quem está na verdade por trás de WikiLeaks”.

O analista internacional Bassem Tajeldine assegura que os EUA filtraram a informação de WikiLeaks e que os democratas foram beneficiados acima dos republicanos. Interroga sobre a ausência de casos delicados como o 11 de setembro e sobre as armas nucleares de Israel.

O correspondente da TeleSur no Oriente Médio afirma que a acusação contra a Arábia Saudita de querer guerra contra o Irã é falsa e contraria sua posição de neutralidade. Cita o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, para quem os papéis têm objetivo de criar caos entre os países da região e prejudicar o Irã.

Na sequência do blog Antimperialista, após os vídeos, o título da matéria é ilustrativo: “WikiLeaks a serviço da cyberguerra do Império”. O início: “Para muitos, vai ficando cada vez mais claro o papel desempenhado, em favor dos interesses geoestratégicos do Império, pela página web WikiLeaks, supostamente dedicada a filtrar documentos de segurança nacional de vários Estados”.

O respeitado site Cryptome, dedicado desde 1997 a publicar dados sigilosos e documentos secretos, tem sérias dúvidas e pesadas acusações sobre as intenções e atitudes de Assange e WikiLeaks, e publicou em 6 de novembro 22 pontos de reflexão sobre o site de Assange e o mundo da informação de segurança. O ponto número 6 afirma: “A divulgação de iniciativas como WikiLeaks e agências de inteligência serve como engodo para dispersar a atenção a respeito de atividades mais ruinosas” (blackest activities).

Seu diretor, John Young, relata que manteve conversações com WikiLeaks em 2007 para juntar forças, mas não houve acordo. A rede BBC britânica entrevistou Young sobre WikiLeaks e outros temas.

Tradução livre de alguns trechos, com negritos meus: “BBC: Você acha que WikiLeaks vai conduzir a uma revolução na mídia? Young: Não. / BBC: O que pensa de WikiLeaks? Young: Uma operação de excelência. / BBC: O que há de errado com WikiLeaks? Young: Precisa ser suplementado por muitas outras fontes de informações proibidas para reduzir o direcionamento a que Wikileaks e outras fontes podem ser obrigadas, cooptadas por autoridades, ou ser desacreditadas por liberações orquestradas por seus oponentes com informação contaminada – um meio e um método comum das autoridades. Uma fonte singular não consegue dar conta e torna-se alvo fácil para a oposição.

As respostas às duas perguntas seguintes são essenciais para se entender o futuro dos tantos WikiLeaks que agora ainda espreguiçam: BBC: O que pensa de Wikileaks alojar-se num país que irá proteger o site contra derrubada? Young: Não existe lugar algum em que a derrubada não possa ocorrer. O sistema de distribuição da comunicação pode sempre ser bloqueado e os serviços, confiscados.

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